Prevenção
A pandemia é pior para quem mora na rua
Profissionais da SMS entregaram mais de 60 kits de higiene para pessoas em vulnerabilidade
Carlos Queiroz -
A recomendação para achatar a curva de transmissão do Covid-19 é que a população fique em casa. Para quem passa as noites ao relento pelas calçadas do Centro de Pelotas, a determinação soa estranha. O Consultório na Rua, setor do Departamento de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) estima que cerca de 400 pessoas estejam desabrigadas na cidade. A grande maioria não possui acesso aos itens básicos para realizar a higienização recomendada pela Organização Mundial de Saúde para combater o vírus; o que, a longo prazo, pode gerar um efeito cascata de contaminação.
Para suprir a falta, entra a distribuição de kits de higiene, compostos por garrafas pet com água e sabão diluído. Diariamente, a equipe percorre os pontos da cidade habitados pelos moradores de rua e realiza as entregas, além de uma oficina de como lavar as mãos corretamente e quando o álcool gel deve ser usado. Os pedidos mais frequentes são de álcool gel e máscara, todos sabem dos perigos do novo coronavírus, como explicou a enfermeira e membra da equipe do Consultório na Rua, Myrtys Dutra. Uma pequena quantia de máscaras feitas de TNT foi produzida por uma das arteterapeutas da SMS. Estas são entregues para aqueles moradores de rua que possuem síndromes respiratórias.
William, morador de rua há cinco meses, indigna-se com a situação enfrentada por ele e os demais que fizeram da rua Três de Maio um local para dormir. “Se todos têm o direito de ficar em casa e fazer quarentena, por que a gente não tem? Como vou fazer isolamento se eu durmo aqui na rua?”, questiona. Se antes o desrespeito com os moradores de rua já existia, agora ficou ainda maior. Ele conta que frequentemente as pessoas o tratam mal, “elas saem de perto como se nós estivéssemos sujos ou com o vírus”. De acordo com a Secretaria de Assistência Social (SAS), nas últimas semanas ocorreu um aumento de quase 100% na procura por lugares para passar a noite. O que antes ficava por volta de 25, subiu para quase 50 pessoas, preocupadas com o atual contexto de disseminação do vírus. Ainda sim, muitos seguem nas ruas.
Alguns ainda buscam outras formas de proteção, como abrigar-se na casa de familiares. É o caso da Juliana, há pouco mais de uma semana na rua, ela deseja encontrar a mãe em Capão da Canoa, no litoral norte do Estado. “A gente vai se cuidando mas é difícil”, conta. São mais de 390 quilômetros de distância e, enquanto isso, busca a ajuda da SAS para a compra da passagem.
Medo de um efeito cascata
A realidade de prevenção ao coronavírus, para quem vive desabrigado, é outra, frisou Myrtys. “A maioria vive muito junto, próximos. Com o frio da rua, eles usam o calor humano pra se aquecer, seja na fila do Restaurante Popular ou durante a noite”, ressalta. Muitas das medidas de prevenção são inconsistentes com a realidade dessas pessoas, por isso a necessidade de intensificar o que pode ser feito, como a higiene. As equipes da área da saúde trabalham para evitar um efeito cascata de contaminação entre os moradores de rua. “Se um é contaminado, quem convive com ele também acaba sendo”, pontua. O principal é que todos tenham como lavar as mãos, explica a enfermeira. “Muitos têm nos pedido máscaras, mas não adianta se eles vão passar o dia inteiro usando. Usar um EPI de forma inadequada é ainda pior que não usar”, completou.
Durante as entregas dos kits, o único assunto que paira são as recomendações que todos precisam seguir. Além do frio e da falta de EPIs, outra dificuldade é o compartilhamento de acessórios para o uso de drogas, como cachimbos, e cigarros. Ainda durante as conversas, a equipe do Consultório na Rua, caso necessário, pode encaminhar casos de pessoas com sintomas da Covid-19 para atendimento médico. A chefe do Departamento de Saúde Mental, Gabriela Haack informa que um caso de pessoa com problemas respiratórios precisou ser encaminhado.
Haack também lembra que a SMS está recebendo doações para compor os kits, que também são distribuídos nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) que possuem equipes de Redução de Danos, como é o caso do bairro Sítio Floresta. Por semana, 20 kits são entregues para cada um dos serviços.
Ajude
Doações de garrafas pet - em qualquer tamanho -, sabonete líquido, detergente, sabonete e sabão em barra para a montagem dos kits podem ser entregues na sede da Secretaria Municipal de Saúde, localizada na rua Lobo da Costa, 1764. Quem não puder se deslocar até o local pode entrar em contato com o Departamento de Saúde Mental, pelo telefone (53) 3284-7716, para agendar o recolhimento.
Maioria são homens
Uma pesquisa desenvolvida pelo Programa de Pós-Graduação em Política Social e Direitos Humanos (PPGPSDH) da UCPel identificou o perfil de pessoas em situação de rua em Pelotas. O resultado aponta para as seguintes características: homem, preto, entre 30 e 59 anos, e com ensino fundamental incompleto. Segundo o professor responsável pelo boletim técnico, Tiago Lemões, o objetivo principal em divulgar a pesquisa é instrumentalizar o poder público para tomar ações em relação aos moradores de rua no contexto da pandemia do novo coronavírus (Covid-19). “É uma ferramenta de contribuição da Universidade para as políticas públicas, sobretudo as emergenciais que devem ser realizadas para as populações mais vulneráveis”, avalia. A pesquisa foi desenvolvida por equipe formada pela doutoranda Flávia Giribone e pelos mestrandos Piero Vicenzi, Alice Simoni, Marina Madruga, Sarah Emygdio, Rosana Chagas e Karen Lessa. Mais detalhes sobre o estudo podem ser acessados no site do Diário.
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